segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Raíces" FRIDA KAHLO (1943)


Prosa Patética (VIVIANE MOSÉ)

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sobre tsunamis...

De todos os fenômenos naturais o que mais me amedronta e fascina são os tsunamis. Desde criança tenho sonhos com eles, sonho que estou vivendo a minha vida e de repente, do nada uma onda inimaginavelmente grande e de um verde nunca visto, nem nas casas do Wannel Ville, passa arrastando tudo, inclusive eu! Já sonhei com tsunamis em inúmeras situações ao longo desta vida, em rios, surgindo de bocas de lobo, o último vinha do mar da Bahia e arrastava com ele barcos, baleias, submarinos e até um surfista bem apetecível.
Um dia busquei no Google o significado de mais de trinta anos de sonhos, encontrei num desses sites místicos que, sonhos com grandes ondas premonizam grandes dificuldades. Esoterismo nunca foi o meu forte, e puxando pela memória cheguei à conclusão que, não importa os tsunamis, tempestades ou qualquer outro cataclismo, as dificuldades vêm e vão, estão mais para os movimentos das marés. Além do mais, meus sonhos nunca foram pesadelos, ninguém morre neles e depois que a onda passa tudo fica limpo, até o ar e uma nova ordem é instaurada. Então cheguei à conclusão que não preciso ler sonhos.com, Freud ou Lacan para interpretá-los, meus sonhos não são cassândricos e sim niilistas. No fundo desejo que esta onda passe e varra: A saudade dos que demoram a voltar e dos que jamais voltarão, a lembrança dos amores mal vividos e o desejo do não correspondido, a razão dos que odeio e a hipocrisia dos que amo, o medo do futuro incerto e a certeza de que a coisa toda descambou para a banalidade, a inveja do casal de idosos de mãos dadas na sala de espera da clínica, a aceitação da miséria por pura inércia e a convicção de que homem-humano não é mais pleonasmo! O que mais me incomoda é que a onda passa, eu acordo e o ar continua denso e a desordem continua a imperar, e que eu não posso criar um tsunami na minha pia, ou no meu vaso sanitário por exemplo. Ou será que posso?
Sem alternativas, devoro um pote de sorvete e ouço Madeleine Peyroux, tomo um relaxante muscular e vou dormir, esperar pela próxima onda!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mulher com Sombrinha - Kirchner


(...)
Desde à tarde do primeiro amor, Aureliano e Amaranta Úrsula tinham continuado a aproveitar os escassos descuidos do esposo, a se amar com ardores amordaçados em encontros ocasionais e quase sempre interrompidos por regressos imprevistos. Mas quando se viram sozinhos na casa sucumbiram ao delírio dos amores atrasados. Era uma paixão insensata, alucinada, que fazia tremer de pavor na cova os ossos de Fernanda e os mantinha num estado de excitação perpétua. Os gemidos de Amaranta Úrsula, as suas canções agônicas, estalavam do mesmo jeito às duas da tarde na mesa da sala de jantar e às duas da madrugada na despensa. “O que mais me aborrece – ria – é o tempo enorme que perdemos.” No aturdimento da paixão viu as formigas devastando o jardim, saciando sua fome pré-histórica nas madeiras da casa, e viu a torrente de lava viva se apoderando outra vez da varanda, mas só se preocupou em combatê-la quando a encontrou em seu quarto. Aureliano abandonou os pergaminhos, não tornou a sair de casa, e respondia de qualquer maneira às cartas do sábio catalão. Perderam o sentido da realidade, a noção do tempo, o ritmo dos hábitos cotidianos. Tornaram a fechar as portas e janelas para não demorarem nos trâmites de desnudamento, e andavam pela casa como Remédios, a bela, sempre quis estar, e se espojavam em pêlo nos barreiros do quintal, e uma tarde por pouco não se afogaram quando se amavam na caixa d’água. Em pouco tempo fizeram mais estragos que as formigas ruivas: quebraram os móveis da sala, rasgaram com suas loucuras a rede que resistira aos tristes amores de acampamento do Coronel Aureliano Buendia e abriram os colchões e os esvaziaram no chão, para se sufocar em tempestades de algodão. Embora Aureliano fosse um amante tão voraz como seu rival, era Amaranta Úrsula quem comandava com seu engenho disparatado e a sua voracidade lírica aquele paraíso de desastres, como se tivesse concentrado no amor a indomável energia que a tataravó consagrara à fabricação dos animaizinhos de caramelo. Além disso, enquanto ela cantava de alegria e morria de rir das suas próprias invenções, Aureliano ia ficando cada vez mais absorto e calado, porque a sua paixão era ensimesmada e calcinante. Entretanto, ambos chegaram a tais extremos de virtuosismo que quando se esgotavam na exaltação tiravam melhor partido do cansaço. Entregaram-se a idolatria dos corpos, ao descobrir que os tédios do amor tinham possibilidades inexploradas, muito mais ricas que as do desejo. Enquanto ele amaciava com claras de ovo os seios eréteis de Amaranta Úrsula, ou suavizava com gordura de coco as suas coxas elásticas e o seu ventre de pêssego, ela brincava de boneca com a portentosa criatura de Aureliano e pintava-lhe olhos de palhaço com batom e bigodes de turco com lápis de sobrancelhas e armava-lhes laços de organza e chapeuzinhos de papel prateado. Uma noite se lambuzaram dos pés a cabeça com pêssego em calda, lamberam-se como cães e amaram como loucos no chão da varanda, e foram acordados por uma torrente de formigas carnívoras que se disponham a devorá-los vivos. (...)
Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Marquez

quarta-feira, 3 de junho de 2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

Vermute com Amendoim

“Eu não busco as tentações, elas é que esbarram em mim lançam um sorriso convidativo, um olhar desafiador e fogem a passos lentos. Nunca pude resistir ao toc toc dos saltos, ao farfalhar das saias, à profusão de cores e de aromas! Hoje sei que errei, mas naquele momento foi como se um demônio me tomasse, vi minha razão tornar-se cada vez mais débil e esconder-se no canto mais distante do meu ser. Tu bem sabes como sou sonhador, como tenho dificuldades em manter-me em terra firme, tem algo a ver com meu signo, é o que sempre diz minha mãe, acredito!” Raul abaixou a cabeça e fixou os olhos no copo de vermute, desejou ter cianureto para despejar ali umas gotas: Oras bolas, cianureto?! O máximo que poderia arrumar naquela baiúca mal cheirosa era uma porção de chumbinho...e olhe lá! Reuniu todas as forças para levantar o rosto e encarar Maria Luisa em pé à sua frente, o esforço sobre-humano durou longos segundos mas mal encontrou os olhos dela e sentiu uma rajada de ar deslocado e o tabefe sonoro e ardido que tatuou cinco dedos em sua face. Com todos os sinos do mundo tocando em seus ouvidos ele mal escutava os impropérios que lhe eram dirigidos, ela arrancou a aliança de noivado e atirou sobre a mesa. A jóia quicou várias vezes e saiu rolando pelo chão imundo do boteco enquanto Maria Luisa ia embora apressada com seu andar peculiar de exagerados requebros e a saia farfalhando alto, tão alto que ele mal podia ouvir os próprios pensamentos. Refeito da agressão ele engoliu a última dose da bebida, ajoelhou-se no chão tateando em busca da aliança. Encontrou-a a pouca distância de suas mãos e esticou-se para pega-la, neste momento o garçom que passava distraído a chutou e ela rolou em direção a um jukebox no canto do bar. “Infernoooo!”, rastejou para perto da máquina e olhou embaixo. Lá estava o símbolo do seu amor dividindo o lugar com baratas mortas, teias de aranhas e bitucas de cigarro. Tentou alcançá-la novamente, a mão não cabia no pequeno espaço e ela continuou ali, inacessível. “Maldição, mil vezes maldição. E agora Deus? Não tens mais nenhuma idéia para tornar meu dia pior?”, ele praguejava e chorava. Neste momento toda fauna do bar já estava atenta à patética cena rodriguiana quando ele ouviu uma voz que veio de cima. “Oi camarada, precisa de ajuda?” Raul olhou em direção à voz com certa apreensão e ali, parados, estavam um violeiro vestido de mariachi e um cara ruivo e extremamente branco metido numa estúpida fantasia de amendoim. Este último sorriu e estendeu a mão. “Venha camarada, vamos te pagar uma bebida!” Ele torceu o nariz, desconfiado. “Quem são vocês? Uma espécie nova de viados aliciadores? Deixem-me em paz!” O amendoim se irritou e olhou para o amigo. “Ta vendo Afonso, o mundo tá mesmo perdido! Se a gente tivesse dado bicuda neste morfético ele seria mais gentil. Meu amigo levanta daí ta parecendo pano de chão, o que ta pegando?” Raul desistiu de argumentar e em poucas palavras explicou o ocorrido para a estranha dupla. O mariachi tirou uma caneta do bolsinho do colete e entregou a ele que usou para alcançar a aliança. Ele apertou-a no punho e sorriu. “Agora levanta que vamos te pagar aquela dose”, disse sorrindo o amendoim que agora reparando melhor era albino. “Tudo bem, estou duro mesmo!”, ele levantou-se e acompanhou-os até o balcão.
Sentaram nos banquinhos amarelos e altos, o mariachi pediu um cachaça, o amendoim uma vodka e Raul mais um vermute, o amendoim falava pelos cotovelos e o mariachi apenas concordava com ahans e uhuns, vez ou outra soltava um é verdade! Eram divulgadores de uma marca de amendoins e castanhas que vinham em saquinhos compridos e com a foto de uma lhama. “O que tem a ver lhamas com amendoins?” “Não é uma lhama é uma vicunha.” Saiu em defesa o moço ruivo que se chamava Leon. “ Na verdade não é Leon, é Luis mas prefiro que me chamem assim!” E continuou a explicação. “O presidente da empresa plantava amendoins no Peru, mas teve que fugir do país por causa do regime de Velasco, chegou aqui e descobriu que a mistura de amendoim salgado com cerveja agradava à população, então montou um império. Sofria de satiríase e morreu de gonorréia ano passado, agora os herdeiros estão brigando pela fortuna. A ganância e a pervesão ainda vão dizimar a humanidade!” “É verdade!”, refletiu o mariachi. Neste momento, alguém colocou uma canção no Jukebox e um travesti de longos cabelos loiros começou a dançar, os três continuaram a beber e Raul guardou a aliança na carteira. “ Por onde andará Maria Luisa?” (Continua...não sei quando!)

terça-feira, 7 de abril de 2009

by Júnior Mocambo


Platão, Pirulitos e Pulgas

Diva sempre foi afeita a amores platônicos já no primário apaixonou-se pelo seu vizinho de carteira, ele era mestiço de olhos claros e tinha uma pinta no canto direito dos lábios. O que uma garota de sete anos sabe do amor? Ela nunca soube direito, talvez isto se desse devido ao seu temperamento romântico e sonhador ou era pura falta do que fazer. Mas a verdade é que o garoto povoou seus sonhos até a quarta série, quando então ela o trocou por uma Monark Monareta 82 que ganhou do seu avô.
Passou a infância divagando refém de seriados de televisão, romances fabulosos, encantada com as estórias que uma velha tia lhe contava sobre as maravilhas da maioridade, acreditava que a adolescência ia ser repleta de aventuras. Lá pelos quinze passava o dia na biblioteca lendo revistas sobre astronomia, não tinha amigos e ainda não tinha beijado, caiu de amores pelo bibliotecário um garoto sisudo, magrelo e corcunda, mas como olhos dele eram belos! Havia neles um misto de tristeza e malícia, ele era sensível e gostava de poesia, preferia os românticos e ela decorou longos trechos de Casimiro de Abreu apesar de preferir Augusto dos Anjos.
O tempo passou e o garoto tornou-se pastor evangélico, ela fugiu de casa e virou hippye, viu show do Pink Floyd, fez vigília em campo de pouso para extraterrestres em São Tomé das Letras, andou as voltas com uma seita de lunáticos, enfim... Vinte anos depois, deitada no sofá da sala fumando seu décimo segundo cigarro do dia Diva finalmente teve um insite, o primeiro depois que resolveu parar com os inibidores de apetite. Chega! Lá se foram uma centena de relacionamentos, todos com intelectuais, alcoólatras, revolucionários, depressivos e suicidas. Estava cansada de dividir seus amores e sua cama com Platão, Rousseau, Nietzsche e o diabo a quatro. Agora tudo que ela queria era esquecer a dialética do pensamento marxista e ir dançar em algum lugar barulhento, destes que tocam músicas que lembram obras de construção civil e serralherias. Resolveu que seria feliz e não amaria mais ninguém, somente faria sexo casual, iria tornar-se uma militante do amor livre e para pontuar citou Maiakovsky: “... Quero viver até o fim o que me cabe! Para que o amor não seja mais escravo de casamentos, concupiscências, salários...”. Acima de tudo daquele momento em diante não citaria mais genialidades mortas, no máximo um ditadozinho popular de fácil absorção.
Sorriu confiante e apressou-se aos preparativos para a primeira noite do resto de sua vida.
...correu ao banho, gastou horas em seu toilette, pegou um táxi, quinze minutos depois estava na porta de um clube que mais parecia uma nave espacial, entrou, levou cinco minutos para que seus ouvidos se habituassem à música, mais vinte minutos para conseguir obter uma bebida, dois segundos para que alguém a derrubasse em sua roupa, meia hora para conseguir um lugar para sentar, uma hora e meia para livrar-se de um rapaz saltitante que usava um tênis verde fluorescente e roupas de plástico, cansou, resolveu ir embora...
...contou seus trocados e viu que não dava para o táxi, pegou um ônibus, uma senhora sentou ao seu lado e contou a trágica história da sua vida, Diva desceu alguns metros de sua casa e andou cambaleante, parou em um bar e comprou uma soda na vã tentativa de apagar os efeitos da cerveja barata, pensou que ao chegar a casa iria preparar uma sopa e ouvir Maria Callas. Sentiu que alguém a seguia, olhou para trás e percebeu um vulto que se escondeu atrás de um contêiner de lixo, então se desesperou e correu, a poucos metros seu salto quebrou, caiu...
Uma dor aguda na cabeça e alguém saltando sobre ela foram às últimas lembranças antes do desmaio, mergulhou numa escuridão aconchegante. Sonhou que era criança e seu avô lhe dava um pirulito colorido enorme e ela mal podia segura-lo, andava dois passos e caia com o peso do doce. Levou horas devorando-o e no final amarrou uma fita no cabo e fez um cavalo-de-pau. Viu as crianças de o bairro descer a rua correndo e cavalgando em compridas estacas, algumas com chapéus de cow-boy e revolverzinhos de groselha nas mãos. Tentou segui-los mais elas não a deixaram brincar, sentou na calçada e começou a chorar, as lágrimas encharcaram sua conga.
Acordou com tudo rodando e sentiu que alguém lambia seu tornozelo, apoiou-se nos cotovelos para olhar e foi então que ela o viu ali sentado, um cachorro enorme com os olhos negros fixos nela e a calda balançante. Parecia um Pastor Belga, porém sujo e despenteado até que era bonitinho, mas tinha algo errado com ele, alguma coisa repulsiva, seria o cigarro babado pendente no canto da boca? E foi só quando ele ficou em pé nas patas traseiras que ela então compreendeu do que se tratava, ficou horrorizada e tentou gritar, mas não foi capaz de emitir nem um ruído. Olhou ao redor a rua estava deserta talvez aquilo fosse somente um pesadelo, mas a dor no pé afirmava que era real. A coisa debruçou-se sobre ela que fechou os olhos esperando ser dilacerada, mas ele tomou-a delicadamente nos braços e começou a andar. Alguns segundos naquele colo confortável e ela já tinham perdido totalmente o medo, estava inebriada com seu cheiro, misto de suor e whisky, abriu os olhos e verificou se ele tinha coleira, ficou aliviada ao constatar que não. Ele caminhou alguns minutos e parou em frente a casa dela, como ele poderia saber? Talvez fosse amestrado, ou já algum tempo a observava, não se importou com estas banalidades, deixou de lado o racionalismo e convidou-o a entrar...
Dias depois era outra mulher, sentia-se leve e feliz, não se importava de estar vivendo com um lobisomem, tá certo que ele roncava, babava e tomava água do vaso sanitário, mas era sensível e um amante voraz.
Às vezes ela encontrava pulgas nos lençóis, não ligava, ele roeu seus móveis e rasgou a maioria dos seus livros, não mexeu em Shopenhauer, mau sinal, ela precisava cuidar para que ele nunca aprendesse a ler.

terça-feira, 31 de março de 2009

segunda-feira, 30 de março de 2009

A Vida Sexual dos Kefirs

Esta ainda é a minha terceira postagem, mas alguns amigos já me questionaram por que o nome do blog é sexo, amor e outras besteirinhas e até agora nada de sexo. Pois bem tentarei remediar o erro, a uns meses atrás ganhei de um amigo natureba uma muda de Kefir, para quem não sabe do que se trata são aqueles floquinhos brancos de qualhar leite para fazer iogurte. O curioso do Kefir é que por mais que não tenham uma aparência muito agradável eles podem ser considerados um bichinho de estimação, com muitas vantagens sobre estes uma vez que não precisa trocar a areia, não deixam pêlos pela casa e não destroem os móveis, como minha gata faz. Portanto quando ganhei a pequena colônia pensei: “... não deve ser mais difícil de cuidar do que de uma gata psicótica, como é o caso da Capitu”. Qual não foi o meu assombro quando percebi que a colônia tem uma vida sexual agitadíssima, tanto que não estou vencendo tirar o excesso e isto tudo sendo mantidos em água filtrada e uma pequena colher de açúcar mascavo. Temos que admitir que é uma vida um tanto privada de conforto para terem tanto ênfase sexual, outro dia mesmo uma amiga me confidenciou que não consegue ir para cama com o namorado sem alguns apetrechos básicos como vela perfumada, um bom pró-seco e lençóis de percal 200 fios, e que a cotação do dólar tinha influência direta sobre a sua libido. Analisando por esta ótica cheguei a conclusão que os Kefirs estão muito mais bem resolvidos em sua vida sexual que a nossa classe média deslumbrada. Kefirs ou tíbicos como são chamados no ocidente não passam de lactobacilos vivos que todo mundo conhece por causa do Yakult (que gelado é ótimo para curar ressaca), e se reproduzem de forma assexuada... A partir daqui a coisa começa a ficar interessante! Ou seja, não rola um oba oba entre os bichinhos, recordemos as aulas de biologia do ensino fundamental, assexuada é a reprodução a partir de um ser vivo somente não precisa de macho e fêmea, nem de jantar a luz de velas e nem preliminares. Como espécie mais sexual do mundo sexuado, sempre tivemos a concepção de que não há coisa mais sem graça que este negócio de reprodução assexuada, pois bem, minha colônia de Kefirs esta provando o contrário, pois mesmo com crise econômica, aquecimento global e BBB 9 eles continuam mandando ver. Fico pensando se não estamos evoluindo também para o assexulalismo (esta palavra existe?), sim porque se continuarmos com tanto medo de se envolver a ponto de trocarmos o contato humano pelo prazer virtual da tela do computador, qualquer noite podemos dormir normais e acordar grávidos. Tudo bem não vou dar uma de Cassandra do mal e prever um mundo sem o bom e velho sexo com duas pessoas, ou três, ou quatro... Enfim, mesmo assim ainda acho que devíamos aprender alguma coisa com os Kefirs, aliás, sem alguém se interessar eu estou doando.

quinta-feira, 26 de março de 2009

A postagem anterior é um comentário que vem responder a um excelente texto do Thiago sobre o desaparecimento de um ex-colega de classe nosso do curso de jornalismo da UNISO em 2005. O cara sumiu, simplesmente sumiu e dizer que tomou Doril além de clichê é de uma pobreza de linguagem ímpar! Vale a pena ler o texto do Thi em:

http://thiagoarioza.blogspot.com/

...?

Hoje cheguei ao lar depois de um dia daqueles e descobri que meu apartamento esta sendo tomado pelas formigas, digo “pelas” porque não é qualquer formiga inocente, são daquelas grandes, vermelhas e cabeçudas. Se uma formiguinha comum carrega dez vezes seu próprio peso, não duvido que as minhas possam me carregar durante o sono, fui seguindo o comboio das infames e descobri que elas estavam entrando pelo buraco do cabo da TV que saindo do fio principal passa pelos galhos da árvore em frente a minha janela. Pois é, não sei por que cargas d’água elas resolveram mudar dos galhos frondosos para minha sala, mas o caso é que fiquei irada e armada de um inseticida pulverizei o êxodo feliz. Aquelas que não foram envenenadas morreram a chineladas e minutos depois meu chão de madeira estava coberto de cadaverizinhos rubros, algumas estavam estropiadas e pareciam mortas mas segundos depois disparavam numa corrida louca parecendo zumbis que saíram de um filme do Romero. Foi então que decidi perscrutar com a vizinha se o mesmo tinha acontecido com ela e após uma pesquisa rápida pelo prédio descobri que fui a única a ser escolhida para dividir o apartamento com a praga. Como ando num momento existencialista, minha existência deixo claro, pois a das formigas não me causa compaixão alguma, fiz a seguinte pergunta: Por que eu? Sim porque devido às maravilhas de uma economia aquecida todos do prédio têm TV a cabo e podem gozar dos seus 2000 canais e sua internet banda larga que baixa pornografia em frações de segundos. Em tempo, todos os cabos passam pela árvore frondosa e, portanto as formigas poderiam escolher entre seis apartamentos, mas optaram pelo meu, seria porque moro sozinha e elas consideram isto um latifúndio? Seriam elas provenientes de algum movimento popular de pró moradia? O que as motiva não me interessa só sei que comprei mais dois frascos de inseticida para deixar bem claro que do que é meu cuido eu!
Agora o que esta estória tem a ver com o sumiço do nosso colega de classe? Na verdade nada, é pura vaidade fazer uma retranca, mas como tenho vários hábitos e são quase todos ruins eu vou tentar. Admito que o achasse estranho mas também sabia que isto não vazia de nós outros normais, soturno, sinais de melancolia, mas isso não me impressionava pois já vi menininhas de cor-de-rosa cortarem os pulsos por muito pouco. Na minha não tão humilde opinião ele fugiu, simplesmente fugiu! Afinal a fuga é uma escolha, o amor é uma escolha, a fé é uma escolha, a morte é uma escolha também, embora duramente criticada pelos fundamentalistas de plantão. Não acho que este seja o caso de Charbel, tenho comigo que ele continua vivinho da Silva, mas acredito que ele tenha realmente dado cabo daquela vida que ele tinha, mas que não sustentava seus anseios. Você ai, fala sério quantas vezes já pensou em sumir? Todos os dias milhares de pessoas pensam a mesma coisa, pois bem nosso colega não só pensou como sumiu... Agora se ele esta em alguma comunidade alternativa esperando uma nave que o levará direto ao paraíso extragaláctico ou se resolveu virar piloto MotoCross em algum recanto mineiro, sinceramente espero que esta nova vida esteja o fazendo feliz. Muitos podem estar questionando quanto ao sofrimento das pessoas que o amam, eu particularmente acho que a busca pela felicidade pode ser muito egoísta, mas também nenhum de nós sabe o que o motivou, como eu não sei o que motivou a invasão das formigas no meu apartamento. E no fim não é que deu retranca!

quarta-feira, 25 de março de 2009


Piazzolla e Sopa Instantânea...

Muriel olhava fixamente o fundo do copo ao lado a garrafa de vinho já a um quarto para acabar, pensou em descer até a mercearia, pela janela viu que uma chuva fina deixava seu dia mais melancólico. Ouviu passos no corredor, endireitou-se na poltrona e esperou que a maçaneta da porta girasse, foi tomada por certa ansiedade e instintivamente escondeu a garrafa de vinho mas os passos passaram diretos e ela pode ouvir a porta do apartamento vizinho se abrindo. Reclinou-se novamente com certo alívio e serviu-se da ultima taça, ao menos teria tempo de livrar-se dos indícios de que havia bebido, queria evitar o olhar de desaprovação de Alan com sua expressão de eterno equilíbrio a perguntar-lhe se estava bêbada, lembrava-se de como ele a fazia sentir-se anormal balançando levemente a cabeça de um lado pro outro. Fechou os olhos e recordou-se de uma cena de sua infância quando sua avó batera-lhe na boca por ela ter dito um palavrão e pelas freqüentes advertências: “... Deus não gosta de meninas de boca suja, ou... Deus não gosta de meninas malcriadas!”. Definitivamente, Deus não gostava dela e a recíproca era verdadeira. Adormeceu, mas antes lavou o copo e livrou-se da garrafa.
Acordou lá pelas tantas após ter sonhado que cachorrinhos de duas cabeças carregavam seus chinelos, assustou-se ao ouvir vozes, novamente seus vizinhos estavam discutindo, a velha dos gatos e o contador exibicionista. Ela por volta dos oitenta, só tinha por companhia meia dúzia de gatos gordos e preguiçosos que passavam o dia a tomar sol, chamava-se Madalena. Dona Nena como era mais conhecida tinha uma estória tragicômica que não fazia questão de esconder, muito pelo contrario, contava cada vez que arrumava uma vítima para seu desabafo. Era viúva de um diplomata, não teve filhos pois temia perder a liberdade que a possibilitava viajar o mundo todo, entre outras passagens contava orgulhosa ter participado de uma recepção na Casa Rosada numa de suas viagens a Buenos Aires. Vivia num delírio de ostentação ate o dia em que recebeu a notícia de que seu marido havia dado entrada no PS do hospital de uma cidade litorânea com o pênis colado na mão de sua amante e um tiro no peito. Tinham sido flagrados no leito conjugal pelo marido, este por sua vez trabalhava em um estaleiro e usou todo seu conhecimento em colar cascos de navios para perpetuar o momento. Ele morreu por conta do tiro, ela escapou e acabou ficando com metade dos bens do falecido alem da pele de seus órgãos genitais na mão, descobriu-se depois que tinham um filho em comum. Dona Nena herdou a outra metade, mas acabou estourando tudo em casas de bingo e analistas e agora sobrevivia com o dinheiro da aposentadoria.
Ele passado dos cinqüenta era contador em uma repartição pública, morava com uma garota mirrada e cheia de piercings que tinha metade de sua idade, tinha o hábito de desfilar pelo corredor vestido somente com um roupão encardido levemente aberto, sorrindo com seus dentes tortos e amarelos. Não tinha uma vida muito interessante limitava-se a trabalhar, beber e discutir com sua vizinha. Ele reclamava do mau cheiro que os gatos causavam e ela pela conduta nada apropriada dele e de sua namorada que, sejam amando-se ou degladiando-se sempre o faziam aos berros.
Muriel olhou no relógio e ficou desolada pois dormira a tarde toda, a chuva havia cessado e fazia uma noite fria, olhou a desordem do apartamento mas não se importou com isso, resolveu descer e comprar outra garrafa de vinho e um pacote de sopa instantânea , pois Alan estaria com fome quando retornasse, pegou o casaco e saiu.
Cruzou com o contador com o seu roupão encardido e seu sorriso amarelo, quase pisou em um dos gatos, o elevador cheirava a mofo misturado a tabaco rangia e balançava como um ônibus de subúrbio e ela sentiu-se aliviada quando saiu do prédio e pode respirar ar puro.
Já passava das onze, Muriel atravessou a praça a passos lentos o vazio lhe arrancara a pressa, os trejeitos já não eram mais frenéticos como outrora e os cartazes do cinema não lhe chamavam mais a atenção, nem a discussão dos travestis, o comercio estava quase todo fechado com exceção da farmácia e do armazém, serviços de primeira necessidade ! No primeiro muito iluminado, podia-se ver um casal com bebê rosado ao colo, o segundo na penumbra, de lá ouvia-se as ébrias conversas, ela entrou e não deu atenção aos olhares torpes pagou o vinho e saiu indiferente aos comentários sobre suas ancas, voltou para o prédio o elevador rangeu e balançou, ela lembrou do ônibus e viu que esquecera a sopa instantânea....
...dez para meia-noite, ela serviu-se de uma taça de vinho e um antidepressivo, este devidamente recomendado pelo seu médico. Não estavam funcionando! ... nem o médico e nem o antidepressivo, mas ao menos o segundo combinado ao vinho dava-lhe uma agradável sensação, acomodou-se na poltrona de frente para porta e tentou escrever mas nada lhe vinha a cabeça, pegou um livro mas não conseguia concentrar-se na leitura, pensou que talvez deve-se voltar a mercearia e comprar a sopa, foi conferir o quanto restara-lhe de dinheiro e viu que gastara suas últimas notas no vinho.
...três e meia, resolveu ouvir Piazzolla, rodopiou pela sala derrubando os objetos na estante e quebrou um anjo de biscuit, alguém bateu na porta e ela apressou-se a esconder o vinho se recompôs e correu a abrir, era a garota dos piercings, estava usando um robe transparente e segurando uma fita de vídeo com uma dominatrix na capa, sorriu e a convidou para um “ménage a troa”, Muriel agradeceu mas disse que não achava seu namorado atraente, fechou a porta aninhou-se na a poltrona e caiu num choro compulsivo...
...chorou por Alan, pela velha dos gatos, pela sua avó e seu Deus intolerante que não gostava de garotinhas más, pelo contador e sua namorada, pelos bêbados do armazém e pelos bebes rosados das farmácias, pelo tango triste de Piazzolla e depois de ter molhado o suéter e congestionado o nariz a ponto de não mais poder respirar viu que já passavam das cinco da manhã, foi ate a janela a luz do sol começava a pintar o céu, ela conclui que o dia seria bonito, e então se atirou do quinto andar ...
...passou pelo quarto, a senhora que assistia a TV não a viu.
...passou pelo terceiro, uma criança dormia serenamente em seu berço.
...passou pelo segundo, um cão latiu e correu para a janela.
...derrubou um vaso de violetas ao passar pelo primeiro.
Estatelou-se na calçada com um barulho abafado no momento em que Alan dobrava a esquina, ele correu aturdido e deixou cair os pães e os livros que carregava, balançou a cabeça de um lado para outro, mas já não estava tão equilibrado!