O filme 2001 Uma
Odisseia no Espaço, do cineasta americano Stanley Kubrick, foi lançado em
1968 sob a análise de alguns críticos como a mais elaborada experiência
audiovisual da história do cinema.
Baseado no romance homônimo do escritor Arthur C. Clarke, que o escreveu
paralelamente às filmagens, a película ultrapassa a mera transposição de
formas. Carregado de metáforas e
simbologias, a obra vai além da narrativa filmada, é um prato cheio para
estudantes de comunicação, audiovisual e semioticistas. Na época o crítico da revista Film Comment, F. A. Macklin, definiu
assim esta relação entre a literatura e o cinema, “o modo mais gratificante de
encarar o livro de Clarke é vê-lo como o primeiro crítico, extremamente útil na
compreensão de 2001, mas não seu
único intérprete.”
Lançado no ápice da corrida espacial e sob o signo da Guerra
Fria, o conflito ideológico pós Segunda Guerra que mesmo sem ter chego aos
finalmentes tirou o sono da humanidade, houve quem disparasse críticas ao
partidarismo de Kubrick. Mesmo fazendo alusão ao embate URSS/EUA, o diretor
estava apenas interessado em criar um filme de ficção científica com enfoque na
busca de vida extraterrestre. Foi esta capacidade de transitar entre os
diversos gêneros que fez dele um dos maiores gênios da sétima arte.
Em meados de 1964, por sugestão do seu agente, Stanley
Kubrick encontra o escritor britânico Arthur C. Clarke já consagrado na área da
literatura científica ficcional. O diretor encomenda um roteiro para um filme
de “ETs” e o escritor sugere um dos seus contos A Sentinela. Depois de algumas discussões eles resolveram usar a
ideia principal do mesmo, além de desenvolver uma narrativa romanceada antes de
roteiro cinematográfico.
Clarck se instalou numa suíte do hotel Chelsea em Manhattan
com a incumbência de trazer 2001 à
luz. O Chelsea ficou famoso por abrigar figuras da
música como Bob Dylan, Janis Joplin, Iggy Pop e escritores da ordem de Charles
Bukowiski, William Burroughs e Allen Ginsberg, estes últimos seus colegas de
bar.
O primeiro título oficial do filme foi Viagem Além das Estrelas, além de alguns descartados como: Universo, Túnel para as Estrelas, Queda
Planetária, o definitivo só viria à tona um ano depois.
As filmagens de 2001 começaram
em dezembro de 1965 nos estúdios da MGM, o orçamento total foi de US 10,5
milhões, sendo que US 6,5 foram gastos em efeitos especiais. Em essência, a
estrutura narrativa de 2001 é
simples, chegando à aristotélica, as obras de referência são a Odisseia
(Homero), O Mito do Herói (Joseph Campbell) e a filosofia da evolução de
Friedrich Nietzsche.
Cinematograficamente Kubrick imprime a sua marca na obra,
abusa de fades intermináveis, um
deles com três minutos de duração, um número astronômico quando falamos de
audiovisual. Planos gerais que buscam introduzir o espectador na cena,
sequências extensas e uma elipse que faz o filme saltar do período pré-histórico
para a era espacial em segundos geniais. Esta entrou para a história como a
mais longa do cinema. Do monolito encontrado na Terra, na aurora do homem ao
feto dançando no espaço como se fosse um planeta, transcorrem 149 minutos de pura
divagação existencial. Tudo isto ao som de Richard Strauss Assim falou Zaratustra, trilha que foi concebida como provisória e
se tornou ícone do filme.
Apesar de o diretor fazer da obra um exercício de
subjetividade, ele deu a seguinte interpretação ao crítico de cinema Joseph
Gelmis, “Começa com um artefato deixado
na Terra há 4 milhões de anos por exploradores extraterrestes, que observavam o
comportamento dos homens macacos da época e decidiram influenciar o progresso
de sua evolução. Tem-se então um segundo artefato enterrado na superfície lunar
e programado para sinalizar os primeiros passos do homem pelo universo – uma
espécie de alarme cósmico contra bandidos. Finalmente há um terceiro artefato
colocado ao redor de Júpiter e esperando pela hora na qual o homem alcança os
limites do seu próprio sistema solar. Quando o astronauta sobrevive finalmente
alcança Júpiter, esse artefato atira-o a um campo de força ou um portal estelar
que o arremessa em uma viagem pelo espaço interior e exterior e finalmente o
transporta para outra parte da galáxia , onde ele é colocado em uma espécie de
zôo humano similar a um esboço de hospital terrestre, retirado de seu próprio
sonho e sua própria imaginação. Num estado fora do tempo, a vida dele passa da
meia idade, à senilidade e morte. Ele renasce um ser desenvolvido, uma
criança-estrela, um anjo, um super-homem, como se preferir, e volta à Terra
preparado para o próximo salto à frente no destino evolutivo do homem.”
Clarke
defende uma leitura mais direta do filme, afirmando que se trata de duas buscas
importantes na história da humanidade: o desenvolvimento de máquinas inteligentes
e o contato com alienígenas.
O personagem central e mais complexo da trama é Hal 9000, um
supercomputador responsável pela segurança e comando da nave espacial. Em certo
momento ele começa a desenvolver emoções humanas. Vaidade, orgulho e ira levam
o cérebro eletrônico à loucura e fazem com que ele mate a tripulação da Discovery. Em umas das cenas mais
emblemáticas do filme, Hal tranca o comandante e único sobrevivente para fora
da espaçonave.
"Open the pod by doors, HAL!",ordena o homem, “I am sorry Dave,
but i can not let you do that” responde, impassível e com uma voz que chega a ser terna.
A criança-estrela que fecha o filme bailando no espaço
representa a crença do diretor na evolução da humanidade, no surgimento do
super-homem. Uma crítica à supervalorização da tecnologia em detrimento ao
desenvolvimento da mentalidade humana.
Anos depois em 1984 este discurso aparece novamente em Solaris, filme do diretor russo Andrei
Tarkoviski. Também baseado em uma obra
literária, do escritor polonês Stanislaw Lem, ele questionava os motivos que fazia a extinta
União Soviética dispensar esforços econômicos acima de suas potencialidades, na
Guerra Fria e na corrida espacial e deixasse o fator humano em segundo plano.
Embora alguns críticos até hoje afirmem que Solares é uma resposta a 2001, o primeiro foi feito com recursos
escassos e uma narrativa filosófica forte, o segundo entrou para a história por
suas inovações tecnológicas, tanto um como outro acendem a mesma discussão
humanística. Defendo a ideia que 2001 Uma Odisseia no Espaço seja visto
ao menos uma vez por ano, a leitura nunca será a mesma. Já Solaris é para os mais fortes, quase três horas de pura semiótica,
porém incrivelmente belo!