terça-feira, 22 de março de 2011

Foto: Sandra Ribeiro


Sempre tive uma paixão confessa pela Bahia. Meu primeiro contato com esta terra maravilhosa foi ainda criança, através das gravuras de Jean-Baptiste Debret. Nelas baianas carregando tabuleiros e escravos com toda sorte de carga nos lombos caminham pelo pelourinho.
Em março de 2010 fui para Salvador, já conhecia o sul do estado, mas nunca tinha ido para a capital. A primeira visão que temos da cidade antes de aterrissar no aeroporto Luiz Eduardo Magalhães é de uma periferia feia, de casas de alvenaria amontoadas e sem reboco. La quase tudo leva o nome do clã, praças, avenidas, hospitais e a plebe se divide entre os que odeiam e os que idolatram painho.
Um longo caminho separa o aeroporto da orla da cidade. O trânsito é caótico, o calor escaldante e não da para imaginar que uma bela paisagem vai surgir após uma esquina. Mas é isto mesmo que acontece, de repente pode-se ver o mar cantado por Caymmi. Após percorrer as belas praias, passo pelo Farol da Barra, a Praça Castro Alves, o elevador Lacerda e enfim, o Pelourinho, meu destino final.
Mas antes, uma parada na sorveteria do Lacerda para saborear um sorvete de cupuaçu e admirar a Baia de Todos os Santos. Uma visão simplesmente inesquecível, não só pelo sol, mar e céu, mas por uma perfeita combinação destes elementos com a arquitetura que remete a séculos atrás.
Caminhar pelas ruas de Salvador é como fazer uma viagem no tempo. Devidamente alojada saio para explorar os arredores do Pelô. Vejo por todos os lados moleques ofertando fitinhas coloridas, baianas em trajes típicos, estrangeiros esbanjando vermelhidão e muitos gatos de todos os tamanhos e cores, se fartando com os camarões que caem dos acarajés.
Gosto de passar horas no ossuário da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, olhar as inscrições centenárias das gavetas e imaginar o cotidiano daquelas pessoas. As sinhás passeando de sombrinhas abertas, metidas em rendas, frufrus e laçarotes e os mocinhos em mangas de camisas. Ruborizados, trocando olhares furtivos e com sol escaldante dizendo que aquela terra não pertencia a eles. Os escravos subindo e descendo as ladeiras, confortados com o clima, embora também estrangeiros. Braços fortes, lábios grossos e secos, a pele brilhante e os grilhões ferindo, marcando a carne e a sina desgraçada.
Volto para nosso século vazio de magia e eu mesma repleta de idiossincrasias. Desço o Pelô com os pés doloridos pelas pedras, pois estão acostumados a pisar asfalto e na maioria das vezes, nuvens. Lá tudo é sentido, sempre tem tambores tocando em algum lugar e o cheiro de dendê não sai do ar. Mas o melhor desta terra é o soteropolitano, estes têm algo que canta, requebra e convida. As meninas são frajolas da baixa do Sapateiro ao Bonfim e os homens tocam com o olhar. “Compre um colar de Iansã que te dou outro de Oxalá minha linda”, tenta me convencer um rapaz de sorriso maroto. Não comprei, Deus me livre da ira de Oxalá ao se ver reduzido a um brinde. Quero a benção de todos os orixás para voltar mil vezes a Salvador.