terça-feira, 7 de abril de 2009

by Júnior Mocambo


Platão, Pirulitos e Pulgas

Diva sempre foi afeita a amores platônicos já no primário apaixonou-se pelo seu vizinho de carteira, ele era mestiço de olhos claros e tinha uma pinta no canto direito dos lábios. O que uma garota de sete anos sabe do amor? Ela nunca soube direito, talvez isto se desse devido ao seu temperamento romântico e sonhador ou era pura falta do que fazer. Mas a verdade é que o garoto povoou seus sonhos até a quarta série, quando então ela o trocou por uma Monark Monareta 82 que ganhou do seu avô.
Passou a infância divagando refém de seriados de televisão, romances fabulosos, encantada com as estórias que uma velha tia lhe contava sobre as maravilhas da maioridade, acreditava que a adolescência ia ser repleta de aventuras. Lá pelos quinze passava o dia na biblioteca lendo revistas sobre astronomia, não tinha amigos e ainda não tinha beijado, caiu de amores pelo bibliotecário um garoto sisudo, magrelo e corcunda, mas como olhos dele eram belos! Havia neles um misto de tristeza e malícia, ele era sensível e gostava de poesia, preferia os românticos e ela decorou longos trechos de Casimiro de Abreu apesar de preferir Augusto dos Anjos.
O tempo passou e o garoto tornou-se pastor evangélico, ela fugiu de casa e virou hippye, viu show do Pink Floyd, fez vigília em campo de pouso para extraterrestres em São Tomé das Letras, andou as voltas com uma seita de lunáticos, enfim... Vinte anos depois, deitada no sofá da sala fumando seu décimo segundo cigarro do dia Diva finalmente teve um insite, o primeiro depois que resolveu parar com os inibidores de apetite. Chega! Lá se foram uma centena de relacionamentos, todos com intelectuais, alcoólatras, revolucionários, depressivos e suicidas. Estava cansada de dividir seus amores e sua cama com Platão, Rousseau, Nietzsche e o diabo a quatro. Agora tudo que ela queria era esquecer a dialética do pensamento marxista e ir dançar em algum lugar barulhento, destes que tocam músicas que lembram obras de construção civil e serralherias. Resolveu que seria feliz e não amaria mais ninguém, somente faria sexo casual, iria tornar-se uma militante do amor livre e para pontuar citou Maiakovsky: “... Quero viver até o fim o que me cabe! Para que o amor não seja mais escravo de casamentos, concupiscências, salários...”. Acima de tudo daquele momento em diante não citaria mais genialidades mortas, no máximo um ditadozinho popular de fácil absorção.
Sorriu confiante e apressou-se aos preparativos para a primeira noite do resto de sua vida.
...correu ao banho, gastou horas em seu toilette, pegou um táxi, quinze minutos depois estava na porta de um clube que mais parecia uma nave espacial, entrou, levou cinco minutos para que seus ouvidos se habituassem à música, mais vinte minutos para conseguir obter uma bebida, dois segundos para que alguém a derrubasse em sua roupa, meia hora para conseguir um lugar para sentar, uma hora e meia para livrar-se de um rapaz saltitante que usava um tênis verde fluorescente e roupas de plástico, cansou, resolveu ir embora...
...contou seus trocados e viu que não dava para o táxi, pegou um ônibus, uma senhora sentou ao seu lado e contou a trágica história da sua vida, Diva desceu alguns metros de sua casa e andou cambaleante, parou em um bar e comprou uma soda na vã tentativa de apagar os efeitos da cerveja barata, pensou que ao chegar a casa iria preparar uma sopa e ouvir Maria Callas. Sentiu que alguém a seguia, olhou para trás e percebeu um vulto que se escondeu atrás de um contêiner de lixo, então se desesperou e correu, a poucos metros seu salto quebrou, caiu...
Uma dor aguda na cabeça e alguém saltando sobre ela foram às últimas lembranças antes do desmaio, mergulhou numa escuridão aconchegante. Sonhou que era criança e seu avô lhe dava um pirulito colorido enorme e ela mal podia segura-lo, andava dois passos e caia com o peso do doce. Levou horas devorando-o e no final amarrou uma fita no cabo e fez um cavalo-de-pau. Viu as crianças de o bairro descer a rua correndo e cavalgando em compridas estacas, algumas com chapéus de cow-boy e revolverzinhos de groselha nas mãos. Tentou segui-los mais elas não a deixaram brincar, sentou na calçada e começou a chorar, as lágrimas encharcaram sua conga.
Acordou com tudo rodando e sentiu que alguém lambia seu tornozelo, apoiou-se nos cotovelos para olhar e foi então que ela o viu ali sentado, um cachorro enorme com os olhos negros fixos nela e a calda balançante. Parecia um Pastor Belga, porém sujo e despenteado até que era bonitinho, mas tinha algo errado com ele, alguma coisa repulsiva, seria o cigarro babado pendente no canto da boca? E foi só quando ele ficou em pé nas patas traseiras que ela então compreendeu do que se tratava, ficou horrorizada e tentou gritar, mas não foi capaz de emitir nem um ruído. Olhou ao redor a rua estava deserta talvez aquilo fosse somente um pesadelo, mas a dor no pé afirmava que era real. A coisa debruçou-se sobre ela que fechou os olhos esperando ser dilacerada, mas ele tomou-a delicadamente nos braços e começou a andar. Alguns segundos naquele colo confortável e ela já tinham perdido totalmente o medo, estava inebriada com seu cheiro, misto de suor e whisky, abriu os olhos e verificou se ele tinha coleira, ficou aliviada ao constatar que não. Ele caminhou alguns minutos e parou em frente a casa dela, como ele poderia saber? Talvez fosse amestrado, ou já algum tempo a observava, não se importou com estas banalidades, deixou de lado o racionalismo e convidou-o a entrar...
Dias depois era outra mulher, sentia-se leve e feliz, não se importava de estar vivendo com um lobisomem, tá certo que ele roncava, babava e tomava água do vaso sanitário, mas era sensível e um amante voraz.
Às vezes ela encontrava pulgas nos lençóis, não ligava, ele roeu seus móveis e rasgou a maioria dos seus livros, não mexeu em Shopenhauer, mau sinal, ela precisava cuidar para que ele nunca aprendesse a ler.