segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Raíces" FRIDA KAHLO (1943)


Prosa Patética (VIVIANE MOSÉ)

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sobre tsunamis...

De todos os fenômenos naturais o que mais me amedronta e fascina são os tsunamis. Desde criança tenho sonhos com eles, sonho que estou vivendo a minha vida e de repente, do nada uma onda inimaginavelmente grande e de um verde nunca visto, nem nas casas do Wannel Ville, passa arrastando tudo, inclusive eu! Já sonhei com tsunamis em inúmeras situações ao longo desta vida, em rios, surgindo de bocas de lobo, o último vinha do mar da Bahia e arrastava com ele barcos, baleias, submarinos e até um surfista bem apetecível.
Um dia busquei no Google o significado de mais de trinta anos de sonhos, encontrei num desses sites místicos que, sonhos com grandes ondas premonizam grandes dificuldades. Esoterismo nunca foi o meu forte, e puxando pela memória cheguei à conclusão que, não importa os tsunamis, tempestades ou qualquer outro cataclismo, as dificuldades vêm e vão, estão mais para os movimentos das marés. Além do mais, meus sonhos nunca foram pesadelos, ninguém morre neles e depois que a onda passa tudo fica limpo, até o ar e uma nova ordem é instaurada. Então cheguei à conclusão que não preciso ler sonhos.com, Freud ou Lacan para interpretá-los, meus sonhos não são cassândricos e sim niilistas. No fundo desejo que esta onda passe e varra: A saudade dos que demoram a voltar e dos que jamais voltarão, a lembrança dos amores mal vividos e o desejo do não correspondido, a razão dos que odeio e a hipocrisia dos que amo, o medo do futuro incerto e a certeza de que a coisa toda descambou para a banalidade, a inveja do casal de idosos de mãos dadas na sala de espera da clínica, a aceitação da miséria por pura inércia e a convicção de que homem-humano não é mais pleonasmo! O que mais me incomoda é que a onda passa, eu acordo e o ar continua denso e a desordem continua a imperar, e que eu não posso criar um tsunami na minha pia, ou no meu vaso sanitário por exemplo. Ou será que posso?
Sem alternativas, devoro um pote de sorvete e ouço Madeleine Peyroux, tomo um relaxante muscular e vou dormir, esperar pela próxima onda!