quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mulher com Sombrinha - Kirchner


(...)
Desde à tarde do primeiro amor, Aureliano e Amaranta Úrsula tinham continuado a aproveitar os escassos descuidos do esposo, a se amar com ardores amordaçados em encontros ocasionais e quase sempre interrompidos por regressos imprevistos. Mas quando se viram sozinhos na casa sucumbiram ao delírio dos amores atrasados. Era uma paixão insensata, alucinada, que fazia tremer de pavor na cova os ossos de Fernanda e os mantinha num estado de excitação perpétua. Os gemidos de Amaranta Úrsula, as suas canções agônicas, estalavam do mesmo jeito às duas da tarde na mesa da sala de jantar e às duas da madrugada na despensa. “O que mais me aborrece – ria – é o tempo enorme que perdemos.” No aturdimento da paixão viu as formigas devastando o jardim, saciando sua fome pré-histórica nas madeiras da casa, e viu a torrente de lava viva se apoderando outra vez da varanda, mas só se preocupou em combatê-la quando a encontrou em seu quarto. Aureliano abandonou os pergaminhos, não tornou a sair de casa, e respondia de qualquer maneira às cartas do sábio catalão. Perderam o sentido da realidade, a noção do tempo, o ritmo dos hábitos cotidianos. Tornaram a fechar as portas e janelas para não demorarem nos trâmites de desnudamento, e andavam pela casa como Remédios, a bela, sempre quis estar, e se espojavam em pêlo nos barreiros do quintal, e uma tarde por pouco não se afogaram quando se amavam na caixa d’água. Em pouco tempo fizeram mais estragos que as formigas ruivas: quebraram os móveis da sala, rasgaram com suas loucuras a rede que resistira aos tristes amores de acampamento do Coronel Aureliano Buendia e abriram os colchões e os esvaziaram no chão, para se sufocar em tempestades de algodão. Embora Aureliano fosse um amante tão voraz como seu rival, era Amaranta Úrsula quem comandava com seu engenho disparatado e a sua voracidade lírica aquele paraíso de desastres, como se tivesse concentrado no amor a indomável energia que a tataravó consagrara à fabricação dos animaizinhos de caramelo. Além disso, enquanto ela cantava de alegria e morria de rir das suas próprias invenções, Aureliano ia ficando cada vez mais absorto e calado, porque a sua paixão era ensimesmada e calcinante. Entretanto, ambos chegaram a tais extremos de virtuosismo que quando se esgotavam na exaltação tiravam melhor partido do cansaço. Entregaram-se a idolatria dos corpos, ao descobrir que os tédios do amor tinham possibilidades inexploradas, muito mais ricas que as do desejo. Enquanto ele amaciava com claras de ovo os seios eréteis de Amaranta Úrsula, ou suavizava com gordura de coco as suas coxas elásticas e o seu ventre de pêssego, ela brincava de boneca com a portentosa criatura de Aureliano e pintava-lhe olhos de palhaço com batom e bigodes de turco com lápis de sobrancelhas e armava-lhes laços de organza e chapeuzinhos de papel prateado. Uma noite se lambuzaram dos pés a cabeça com pêssego em calda, lamberam-se como cães e amaram como loucos no chão da varanda, e foram acordados por uma torrente de formigas carnívoras que se disponham a devorá-los vivos. (...)
Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Marquez